top of page
Buscar

A NOMINAÇÃO DO OUTRO

  • Foto do escritor: Paulo Victor Albertoni Lisboa
    Paulo Victor Albertoni Lisboa
  • 4 de mar. de 2022
  • 3 min de leitura

Por Paulo Victor Albertoni Lisboa com arte de FERNANDO BURJATO


A CASA DE REZA ESTÁ OPACA NO SEU INTERIOR devido à fumaça de uma fogueira. Ao seu redor, estão principalmente as mulheres e as crianças, enquanto as primeiras cortam o fumo e o colocam dentro de uma panela que é disposta perto da fogueira para secá-lo.



As janelas estão fechadas e as portas não podem ser abertas sem a autorização das pessoas que auxiliam o xamã. Quase completamente fechada, sobram apenas os pequenos vãos entre o barro e a madeira nas paredes da casa.


Alguns dos auxiliares cantam com seus violões em frente à construção posicionada mais à frente, o que dá a impressão de um altar. Outros acompanham os cantos com rabecas, tambores, chocalhos, além dos bastões de ritmo.


Estamos na casa de reza há horas e percorrendo a madrugada pelo segundo dia seguido. A erva mate já foi coletada durante o dia anterior e os homens fizeram pequenos arranjos com suas folhas. Em fila, cada um entregou ao xamã o arranjo de folhas de erva mate e disse um nome ou dois, alguns diziam mais. Um arranjo de mate para cada nome era colocado à frente, em cima de uma armação de bambu. Hoje, as mulheres levam o mate seco e macerado, distribuído em cabaças.


Durante o ano novo guarani, que coincide mais ou menos com a primavera, estas cerimônias são realizadas e variam nos usos do mate, pães, bolos, mel e frutas. Enquanto os cantos, as danças e as rezas atravessam a madrugada, o fumo não para de circular e a casa fica cada vez mais brumificada, misturando um cheiro de fumaça do fumo e da fogueira.


O fumo, as danças e os cantos produzem um estado de êxtase nos praticantes. Exaustos e fatigados, por vezes eles caem e são acudidos pelos demais. Nunca param os cantores e os dançarinos. Se o chão de terra está muito seco, soma-se à bruma da fogueira e do fumo a poeira do chão. Vez ou outra, fala o xamã. Há um intenso trabalho coletivo na produção de um estado de vibração que é sonora, gustativa, acústica, falada, tátil, olfativa, dançada, espiritualizada.


Emergem, então, as filas dos pais com os seus bebês. A casa de reza se torna uma casa acústica e impregnada por um nevoeiro. Com uma luz baixa e uma vibração estrondosa, acompanham a formação das filas o xamã e os seus auxiliares. O xamã também fala uma língua pouco compreendida pelas pessoas alheias à comunicação xamânica. Ele escuta os nomes e os revela aos pais. Um nome tem força para assentar a alma da pessoa.


Há regiões do céu que guardam listas de nomes. A nominação xamânica e guarani é uma arte e uma técnica muito sofisticada porque a composição nominal – a sua escuta – implica uma combinatória que comunica uma mensagem à comunidade. O nome composto dá indícios da formação da pessoa.


Dentre aqueles que estão presentes, os adultos também podem ser chamados à nominação. Às vezes, a vida da pessoa requer uma outra nominação, restando ao xamã a tarefa de renomear o adulto. Este também é o caso dos estrangeiros-aprendizes que são nomeados em guarani pela primeira vez. Em meio à intensa vibração e à opacidade do nevoeiro, sou chamado pelo xamã. Ele caminha em várias direções, fala uma língua especializada e sua fala parece ter uma melodia. Escuto então ele melodiar um nome, um nome guarani.


Continua:

https://www.facebook.com/photo/?fbid=460207758900823&set=a.220613772860224


 
 
 

Comments


Thanks for submitting!

FOLLOW ME ELSEWHERE

  • Facebook
  • Instagram
  • Facebook
  • Instagram
  • Instagram
  • Facebook
  • Whatsapp
  • LinkedIn ícone social

POST ARCHIVE

bottom of page