AS COSMOLOGIAS DA PSICANÁLISE
- Paulo Victor Albertoni Lisboa
- 4 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
O livro “A vontade das coisas: o animismo e os objetos”, de Monique David-Ménard, acaba de ser publicado pela editora Ubu, em língua portuguesa, no Brasil. Sigo a prefaciadora Virgínia Ferreira da Costa que encontrou na sua leitura um pensamento crítico sobre o “animismo não assumido” nas sociedades ocidentalizadas e o esforço de Monique David-Ménard para a retirada do animismo de um enquadramento teórico que o localiza nas formas encobridoras da realidade. A autora, Monique, fez ainda mais do que isso, porque tornou o animismo um tema da emancipação humana. Está presente-ausente no livro um subtítulo que não cessa de não se escrever, o animismo e a revolução (sic).
A ênfase da autora é depositada na opacidade dos objetos. No âmbito da teoria social, a sua leitura busca devolver aos objetos a sua potência transformadora, desvinculando-os da subsunção formal/necessária às relações dominantes – o humanismo antropocêntrico e a mercadoria.
Talvez a principal questão clínica do livro seja a do analista enquanto facilitador e uma passagem emancipatória da singularidade do analisante. Tratando-se, então, da emergência da “opacidade objetal” nesse campo de afetação, imponderável e contingente, a relação analista-analisante torna-se exemplo de relação animista no mundo moderno/ocidentalizado/na sociedade das mercadorias.
A autora endereça, ainda, uma crítica ao estruturalismo, quando a análise de estruturas prescinde da descrição dos lugares e dos locais dos quais são constituídas as cadeias de significantes – uma franca defesa da etnografia. Embora a sua reflexão percorra parte da bibliografia da virada ontológica na antropologia, a autora não incluiu os lugares ou os locais (de cadeias de significantes/terminologias) junto das ontologias políticas.
A autora também deixou de lado a descrição das ecologias como componentes estruturais, aspecto discutido por Claude Lévi-Strauss na comparação de etnografias de diversas áreas continentais. Pois, com ou sem Kant, com ou sem Hegel, há uma “política dos objetos” que precede ou excede a pólis, por assim dizer, fazendo dos agenciamentos um tema cosmológico e cosmopolítico.
Nada que o materialismo não possa compreender. Desde a constante cosmológica de Einstein, dialogada com De Sitter, confrontada com as descobertas de Hubble, e depois retomada pelas teses da “energia escura”, há um debate sobre a expansão cósmica e a retração cósmica. Se no início foi o “Big Bang”, o futuro do cosmos poderá ser “Big Rip” ou “Big Crunch” – foram os astrofísicos que me contaram.
O problema é que nem sempre a cosmologia pertence à astrofísica, podendo se enlaçar na ecologia e na história – basta ler a mitologia dos povos ameríndios ou as histórias míticas do Caribe. Os geógrafos também me disseram que estamos em uma nova era climática, o Antropoceno, no encontro do tempo histórico com o tempo geológico.
O que talvez escape ao livro, mas não deverá escapar ao leitor e à leitora brasileiros, é o seguinte: há um “animismo não assumido”, um animismo denegado. No Brasil, o animismo faz ressoar a sua “geografia dos mitos” – para fazer uso de uma expressão de Câmara Cascudo. O animismo denegado pode evidenciar ainda outras “neuroses culturais” – vamos de novo à Lélia Gonzalez –, efeito discursivo das diversas formas de espoliação de corpos, povos e de modos de vida no Brasil. Porque o animismo jamais deixará de ressoar a história, o mito e a ecologia dos povos indígenas e quilombolas, dos sertanejos, dos ribeirinhos, dos caipiras, entre outros.
Uma boa razão para falarmos em animismos, sempre no plural.

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