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DE LUGARITMOS E ALUGARES

  • Foto do escritor: Paulo Victor Albertoni Lisboa
    Paulo Victor Albertoni Lisboa
  • 4 de mar. de 2022
  • 2 min de leitura

No seu livro intitulado “O Lugar” (1983), Annie Erneaux escreve em material associativo, transitando através de memórias biográficas, formações socioculturais e diferentes registros de acontecimentos, bem como apresenta as processualidades plurais e divergentes, no passado, no presente e nos ensaios de futurologia reversa. Dentre as alegorias encontradas na sua escrita, está aquela do pai ter vivido em um ambiente quase medieval e ter como o seu livro favorito um desses paradidáticos patrióticos que discorrem sobre o valor do trabalho.

Durante a Guerra, em 1914, jovens trabalhadores da terra foram poupados do alistamento militar. O pai de Annie Erneaux não pôde contar com a dispensa dirigida a aqueles jovens e peregrinou com o exército. Ao retornar para a casa, ele não quis mais saber de voltar ao trabalho da terra. Foi se tornar, então, mais tarde, um operário; depois, um comerciante. E lançou a filha à vida burguesa, “uma distância de classe que não pode ser nomeada”.

Em 1939, seu pai não foi à guerra porque “era velho demais”. Erneaux nasceu em 40. Na escola, Annie Erneaux fazia parte dos “filhos da guerra”. A autora escreve como a década de 40 foi especialmente difícil. Ela grafa em itálico que “era preciso continuar vivendo, apesar de tudo”.

Embora o seu pai julgasse ser inútil o sentido espiritual da cultura, ele buscava, ao mesmo tempo, uma possibilidade cultural e burguesa para a filha em um mundo de relações do qual era alheio e do qual havia sido alheado. O inútil cultural era reservado à filha.

Seu pai não ia às peças de teatro. Não dava atenção às bibliotecas. Insistia que a filha fosse às aulas, que as boas notas não desaparecessem. E de repente era outro tempo.

E quando já era outro tempo, ela se colocou a escrever e foi dar de frente com uma herança reencontrada, aquela mesma herança que havia ficado “do lado de fora do mundo burguês”.

Erneaux não escreveu para ser cúmplice de seus leitores – ela é quem diz e enfatiza este aspecto da sua escrita. Recusou – buscou recusar – “nostalgia, comoção, ironia”. Afirmou que fez uso do itálico para as frases que colorem o mundo vivido e compartilhado, ali “onde nunca se usavam palavras novas para substituir outras”.

O livro entrega a urgência da escrita do lugar, dos lugares, das suas cadências e de seus ritmos, talvez com o intuito de escapar da “armadilha do ponto de vista individual”. É como se tratasse de uma matemática simples, da simplificação de operações complexas, a matemática dos lugaritmos e dos alugares.

Nem sempre a distância entre dois pontos pode ser definida por uma linha reta. Há distâncias complexas e não-euclidianas; “n” possibilidades de deslocamentos ziguezagueantes não-equivalentes, raramente retilíneos, sempre impregnados de pontos de vista (há-lugares) não-coincidentes de que emergem mundos.

Seu pai orgulhava-se de ter se livrado do patoá, um dialeto falado principalmente por populações rurais francesas, que ele considerava “coisa antiquada e feia, um traço de inferioridade”. Annie Erneaux, por sua vez, apreciava Marcel Proust, que admirava as “palavras antigas” da língua.




 
 
 

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