DE UM NOME AO OUTRO
- Paulo Victor Albertoni Lisboa
- 7 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
Por PAULO VICTOR ALBERTONI LISBOA com arte de MILA AURELIANO RAMOS
ZIAUDDIN YOUSAFZAI ESCOLHEU O NOME DE SUA FILHA MALALA a partir do nome da combatente pashtun Malalai de Maiwand, considerada por muitos uma heroína da luta afegã contra os ingleses. Ziauddin escolheu o nome Malala porque, na sua visão, a heroína era a primeira a ter identidade própria entre o povo pashtun e as culturas nacionais da região. A vida de Malalai Maiwand está presente no imaginário afegão e parcialmente no Paquistão e na Índia.
Malala Yousafzai é, por sua vez, uma ativista dos direitos humanos e vencedora do Prêmio Nobel da Paz. Tornou-se conhecida por todos nós em razão de um atentado sofrido em 2012, de autoria do Talibã. Foi perseguida e vítima de um atentado por contrariar o fundamentalismo e defender o direito das meninas à educação escolar.
Nas palavras de Ziauddin Yousafzai, “a educação era o Koh-i-noor de sua vida”, da vida de Malala, sendo Koh-i-noor o nome de um dos diamantes mais famosos e preciosos do mundo. No interior de relações patriarcais para as quais os direitos da mulher são confirmados e/ou negados pelos homens, Ziauddin, diretor de escola e conhecedor das restrições culturais à educação de meninas por fundamentalistas no Paquistão, escutava os clamores de Toor Pekai, sua esposa e mãe de Malala, e o crescente interesse da filha pelos estudos escolares. Afirmavam, assim, conjuntamente, o reconhecimento da liberdade da filha.
Pekai e Malala atuavam frente a Ziauddin para garantirem vagas gratuitas para meninas na sua escola. Ao longo do tempo, quando não era mais possível garantir vagas gratuitas, Pekai recebia a visita das mães que a procuravam para solicitar descontos e garantir as matrículas de suas filhas. Pekai comunicava a Ziauddin que a escutava e depois escutava também a Malala, quem, desde pequena, pedia para falar em público sobre a educação das meninas e era apoiada pelo pai. Por vezes, Ziauddin temia não ter dinheiro para manter a escola funcionando, mas contava com a fé de Pekai: “Alá nunca deixará que sua escola vá à falência se você fizer essa boa ação por essas meninas”.
Se Ziauddin havia desistido de sua inclinação marcada pelo jihad, por outro lado, quando esteve na Inglaterra, percebeu-se sobretudo um pai pashtun; e Pekai percebia-se enquanto mãe pashtun, ela não deixou de lado, por exemplo, o uso do lenço tradicional. Lá, o esforço precedente de fundar uma escola e sustentar a frequência das meninas no Paquistão pareciam empurrá-los, dessa vez, na direção de um estranhamento cultural e, ao mesmo tempo, na afirmação de sinais diacríticos de sua cultura. Assim, ao dinamizarem a própria cultura, tinham a certeza de que permaneciam pashtun.
Em prefácio a “Livre para voar: a jornada de um pai e a luta pela igualdade”, de Ziauddin Yousafzai com Louise Carpenter, traduzido para a língua portuguesa por Denise Bottmann, publicado pela Companhia das Letras (2019), Malala Yousafzai lembra do pai como um escudo. Leio no livro a sensação complexa de Ziauddin, orgulhoso do apoio concedido à filha, a sensação ambígua, estremecedora, por ter sido facilitador dos feitos que a tornaram um alvo do Talibã. O prefácio de Malala ao livro de Ziauddin, seu pai, modifica isto no horizonte de leitura. Malala queria mais do que aquilo que a sociedade havia reservado a ela como futuro. Se outros a desautorizassem a falar, Ziauddin concedia poder a ela. Ziauddin agia para que não negassem a ela o direito à palavra.
Continua:
https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=464812228440376&id=100047348094139

Comments