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Paulo Victor Albertoni Lisboa

Ecologia, palavra ancestral


Por PAULO VICTOR ALBERTONI LISBOA com arte de MILA AURELIANO RAMOS


A ECOLOGIA É UMA PALAVRA ANCESTRAL. Ao menos, seguindo as palavras do xamã yanomami Davi Kopenawa, a nominação é ancestral e atualizada na relação com os xapiri, ancestrais animais com os quais os xamãs yanomami lidam por meio de seus ritos e dos sonhos. A nominação é ancestral e participa de uma língua antiga, uma língua ancestral que nomeou toda a terra-floresta, e nomeou também Davi, que das vespas ancestrais reteve o nome Kopena, “espírito das vespas”, nome xamânico.

Kopenawa viu, pela primeira vez, as imagens dos xapiri descerem até ele durante o sonho; ele ainda era criança e ficava muito assustado, em estado de fantasma porque sua imagem era levada pela imagem dos ancestrais animais, encontrava-se com seres reluzentes e não os conhecia, não sabia seus nomes. Sob os saberes de seu padrasto e de seu sogro, mais tarde ele pôde escutar as imagens reluzentes, as danças das imagens ancestrais sobre os seus espelhos. Porque aquelas imagens dançavam com corpos ornamentados, com plumas, ornamentos e cores das mais variadas, e seus cantos, todos eles oriundos das árvores das línguas sábias. Diz Kopenawa que o japim e o sabiá são donos desses cantos e esses ancestrais animais os ensinam aos xamãs que então cantam às comunidades.

Esses ancestrais oferecem ainda aos xamãs os seus próprios enfeites, aqueles seus desenhos corporais e desenhos de adornos corporais, todos os seus ornamentos para o xamã aprender a dançar com os ornamentos dos xapiri na sua “casa dos espíritos”.

De corpo enfeitado, com uma imagem-corpo reconfigurada, porém transformada pelo encontro com os ancestrais, aprendendo a nominação ancestral, o xamã vai ao encontro de muitas naturezas, com um corpo multirreferenciado nas naturezas, um corpo multinatural. É muito comum que o rádio seja utilizado para uma comparação com o xamanismo ameríndio, uma vez que no rádio (vamos dizer de um rádio qualquer) fala uma multiespacialidade, falam pessoas de várias regiões do país, de várias nações de outros continentes e de variadas línguas; no rádio fala uma multitemporalidade, pessoas de um tempo antigo, canções de outras épocas, ali se escuta também alguma previsão do tempo. Perde-se com a comparação, no entanto, as naturezas que as paletas elétricas do xamã e seus ornamentos levam à dança dos xapiri.

Assim, o xamã se faz também um “curandeiro”, faz a sua dança, seu canto e a sua “pajelança”, escuta nos espelhos ancestrais o mau-tempo, o clima ruim, e a passagem do mau-tempo e do clima ruim, a chegada do bom-tempo, do clima bom. Não se trata de um xamanismo em abstrato ou de uma religião, no sentido estrito do termo. Tudo se passa na terra-floresta, numa ecologia do visível e do invisível. A mesma ecologia da qual se fez Kopenawa e viajou o mundo enquanto xamã yanomami, em defesa da ecologia também junto aos “brancos” aliados do “meio ambiente”.

Pois, há algum tempo, os “brancos” começaram a defender a terra-floresta, a ecologia, o que Kopenawa compreende ser a demonstração de que eles – nós, d’o povo das mercadorias – começaram a escutar essa palavra ancestral sem a qual não há futuro.

O xamã e diplomata entremundos Davi Kopenawa cita Chico Mendes, exemplo de que os “brancos” podem aprender a ecologia, um “branco” que viveu na floresta, conheceu a palavra ancestral e via caminhos para a vida e o trabalho sem a repetição da destruição florestal. Sem dúvida os “brancos” continuam escutando a palavra ancestral, a exemplo de Bruno e Dom, conhecendo-a de perto ou sonhando-a sem nunca tê-la visto antes.

Sim, a ecologia é uma palavra ancestral. Seguindo os dizeres do xamã Kopenawa, os xapiri é que foram os primeiros seres a defender a ecologia. O livro “A queda do céu: palavras de um xamã yanomami” (2015[2010]), assinado por Davi Kopenawa e Bruce Albert, atende ao objetivo de fazer circular essa palavra entre os “brancos” de diversas nacionalidades e da sua sociedade das mercadorias. Um livro que possui, além de tudo, concepções etno-lógicas de escrita. Um livro concebido para ser impresso em papel, um livro impresso em peles de árvore ornamentadas com imagens de palavras, letrinhas, rabiscos, desenhos e imagens de pessoas num corpo-livro ornamentado com saberes de uma língua ancestral.

Isso não é tudo. E tudo isso é yanomami, e não todo yanomami. Por ora, a ecologia que devém do espelho dos ancestrais.


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