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Paulo Victor Albertoni Lisboa

EGOGONIA E PESSOA DESEJANTE

TALVEZ A QUESTÃO SEJA MAIS OU MENOS ESTA, e se, tal qual a “Teogonia” de Hesíodo, tivermos as nossas próprias histórias de mundos inaugurados por nossos ancestrais, histórias de grandes ou pequenos feitos, histórias herdadas, histórias narradas – inventadas? Silenciadas? -, as quais herdamos, histórias ou realidades míticas, portadoras de uma força capaz de imprimir sobre nós uma “egogonia”?

Há de haver um direito inalienável, entre outros, um direito à mitologia particular. Como se sabe, soube-se ou há de se saber, a existência de um chão de amabilidade e cuidado é fundamental para a entrada no mundo.

Alguém há de cantar uma canção, dançar a dança dos existentes gentis e amáveis, cuidando da emergência de uma rede afetuosa e alegre, das alegrias que envivecem o chão e o ar de uma residência, a atmosfera de uma casa, seja lá o que for uma residência e os residentes. Não há independência da cultura no cuidado, porque, como se sabe, soube-se ou há de se saber há ali também uma cultura do cuidado, culturas do cuidado.

Não é raro, então, que se conte uma história a partir de uma mitopoiesis genealógica para dizer um lugar no mundo. Um imaginário transgeracional escutado, sabido e inventado por alguém, contado e transmitido por alguém, falado ou não. Mas, talvez a questão seja essa, a funcionalidade de um processo de entrada no mundo compartilhado no qual imaginários e culturas atuem na coletividade em que se instalam novos membros, imaginados, cuidados, a quem se destinam a herança das festas, das canções, das danças, e lamentavelmente, das guerras.

O desenvolvimento de qualquer um de nós pode se voltar à mitopoiesis herdada e repetida, e herdada e repetida com o juízo da pessoa que, em algum momento, também está lá ou estará lá, determinado ou não pela força mítica e ritual herdada e/ou inventada. Portanto, talvez a questão seja esta, ter a fortuna de se deparar com um mundo cristalino de amabilidade e cuidado, sendo também um mundo capaz de acolher e desenvolver virtudes, num mundo da virtude de acolher os desejos e aceder aos desejos.

Se isso é suficiente ou insuficiente, há de se saber se não se soube ou não se sabe se ainda se saberá que o sujeito desejante não vem ao mundo descendo dos céus como ser celeste ou subindo da terra como ser ctônico. Talvez a questão seja esta, a pessoa desejante.

Todo ideal pode ser interiorizado e assim tornar o desejo subsumido à mitopoiesis genealógica/ancestral ou mitopoiesis sócio-histórica, dos ídolos e da cultura, porém, não somente assim ou somente isto: a instauração de um mundo preso à repetição ou ameaçado pela degradação ritual. Porque talvez a questão também seja um pouco esta, assim como há um direito à mitologia particular, há algo tal qual o cultivo das virtudes da pessoa desejante, o direito à escrita da própria história.

A mitopoiesis pôde, pode ou poderá constituir um referente mais ou menos imaginado e idealizado por um outro e, em seguida, por um si mesmo incumbido da autorregulação e de ajustes rituais, fazendo circular dádivas e dívidas, oferendas, ofertas, ofícios e sacrifícios, sem o que talvez se imagine também que não ocorra a inserção prometida e mais ou menos bem sucedida, a partir de uma mitopoiesis particular sobre a qual se tem e si tem responsabilidade. Isso não é tudo. Talvez seja também uma questão de equívocos, de gêneros literários e de autorias.



1 Comment


cristianecanella
Dec 31, 2023

"Deveria haver uma escrita do não escrito". Duras, M. p.

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