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EXPLOSÃO CRIADORA

  • Foto do escritor: Paulo Victor Albertoni Lisboa
    Paulo Victor Albertoni Lisboa
  • 4 de mar. de 2022
  • 3 min de leitura

Somos amefricanos, é mesmo, volto à Lélia enquanto leio sobre o Manoel de Caculé. Lélia Gonzalez consolidou o termo dentro e fora do movimento negro, do feminismo afro-latino-americano, da antropologia no Brasil. Ela saía em defesa, ao mesmo tempo, de Abdias do Nascimento, quem, ao que me parece, foi acusado de sectarismo. Abdias escrevia – dentre tudo o que escrevia, ainda escrevia – sobre o quilombismo, a autodeterminação mitológica dos povos africanos, as suas ontologias políticas.

É que hoje ficou mais fácil lermos Lélia e Abdias a partir da criatividade multicentrada da cultura brasileira. Lélia e Abdias estão, hoje, na “crista da onda”, vai chegar a hora de calcularmos a sua propagação (λ), a propagação da onda.

Somos amefricanos. A história dessa proposição nos leva a uma controvérsia linguística, à política das línguas em um congresso latino-americano de psicanálise, em Caracas, que indicava, inicialmente, apenas apresentações nas línguas espanhola e francesa. Betty Milan e MD Magno questionaram, então, a organização sobre a ausência da língua portuguesa, da língua brasileira no congresso Latino-Americano... a que Betty Milan respondeu com uma asserção: é que o Brasil é América Africana. Somos amefricanos.

Nos escritos de Lélia González a amefricanidade virou categoria política e cultural. Permitiu variações descritivas e discursivas da experiência histórica comum à diáspora, incursões na criatividade amefricana. Não apenas as incursões da política do resgate cultural das suas origens – sempre legítimas; mas, sobretudo, a criatividade em curso, criatividades e cursos, discursos e irrupção discursiva, ondas discursivas.

Lélia localizava no racismo o sintoma da neurose cultural brasileira. Lélia era incisiva quando dizia ser a América Latina “o melhor exemplo de racismo por denegação”, exemplo do “racismo disfarçado”, justamente no continente onde se é mais ameríndio e amefricano do que outra coisa – escrito quase do jeito que ela repetiu algumas vezes. Trata-se de uma pergunta sobre racismo e inconsciente, e em particular, o papel da denegação no etnocídio.

O racismo “à brasileira” volta-se aos povos e às populações que testemunham vivamente o véu ideológico da “democracia racial”, de uma sociedade da qual uma parcela mais ou menos numerosa não aceita nem o aeroporto “virar uma rodoviária”, muito menos a demarcação de terras indígenas e quilombolas ou a reforma agrária. Que será qu’est-ce que c’est?

Aqui tem aldeia, quilombo e rolêzinho no shopping. Aqui, neste país onde são faladas, hoje, mais de 300 línguas e dialetos indígenas; sem nos esquecermos do banto do Cafundó e do Tabatinga, entre outras. O Brasil é um caldeirão de futuros. Mba’exa pa nderery? O que nos leva de volta às palavras de Lélia: aqui, onde se é mais ameríndio e amefricano do que outra coisa.

Para Lélia, amefricanidade é sinônimo de explosão criadora. Sua leitura nos permite inventar enlaçamentos, tais como Abya Yala e Ubuntu. Aqui, onde se é muita coisa, é verdade, desde as ontologias políticas dos reinos africanos, os quilombos, os impérios indígenas das terras altas, as sociedades ameríndias contra o Estado nas terras baixas, a transculturalidade dos imigrantes e de variadas populações diaspóricas, as nações, as invenções nômades ou sedentárias, munidas ou desprovidas de identidades, perfis de app, id de usuário de plataformas digitais.

Depois de tudo, continuar a dar boas-vindas a quem quiser vir, tal qual a Anice Lawson do Benin. E sermos um pouco irredutíveis em alguns assuntos... por exemplo, floresta de pé e barriga cheia. Alguém aí já pensou em um fundo ecossocial para acabar com o desmatamento e a fome, ao mesmo tempo?




 
 
 

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