FICÇÕES ONÍRICAS - N. 1
Por PAULO VICTOR ALBERTONI LISBOA com Arte de DANIEL MALVA
DURANTE A MADRUGADA, por volta das três da manhã, ele se levanta da cadeira e se retira da mesa de madeira, onde faz as suas leituras. A casa está escura, e a sala, de paredes encortinadas, tem luz baixa na cor amarela com estantes de livros dispersas em duas das quatro paredes. Espreguiça-se e se depara com uma caixa de papelão no alto de uma das estantes. Arrasta desleixadamente a cadeira desde o outro lado da sala até a estante de livros, raspando o chão de madeira, como se fossem tacos um pouco ocos. Já bastante cansado, sem calçados, vestindo um shorts azul, sobe e alcança a caixa que estava etiquetada como uma caixa dos correios. Era uma encomenda e a caixa estava aberta. Enquanto desce do alto da cadeira, segura a caixa com as duas mãos e segue em direção à sua mesa. Já parado diante de sua mesa, lê uma informação escrita sobre o conteúdo:
- “Itens de papelaria”. Não lembro de ter recebido essa encomenda. E o remetente sou eu?
Escuta-se o estilhaçamento de uma louça na cozinha, apercebendo-se do cheiro de café espalhado pelo ar. O seu olhar se volta ao exterior da sala, faz o movimento de deixar a caixa em cima da mesa e dá os primeiros passos, deixando cair a caixa no chão, próxima à mesa. Volta-se, então, à mesa e se abaixa para pegar a caixa. Encontra uma caneta e a toma em uma das mãos; na outra, a caixa. Enquanto busca se levantar e desdobrar os joelhos, bate a sua cabeça na mesa e se apaga.
Finalmente, acorda, abre os olhos e vê o ambiente todo modificado. As paredes mudaram, não há móveis no recinto; as paredes são de papelão, o chão é de papelão. Está tudo riscado, rabiscado, há palavras e pequenos desenhos indecifráveis.
A caneta estava jogada há poucos metros dele. Então, decide pegar a caneta e forçar uma passagem no papelão e rapidamente percebe que não terá sucesso. Escuta novamente os passos de alguém por perto, um som estrondoso vindo de cima, resolvendo, assim, encostar-se na parede de papelão sob a luz baixa em um dos cantos. Reconhece a sua caligrafia nas escritas da caixa e escuta uma voz no exterior:
- Há alguém aí?
Escuta uma agitação no exterior, ao mesmo tempo em que se depara com um escrito na caixa: “não responder”. Ansiosamente, procurava outras informações nas paredes de papelão, leu: “escreva na parede a sua saída”.
Está na cozinha vestindo um traje social e com os pés descalços no chão, a luz já está se abrindo na janela. Prepara o café, quando encontra algo escrito no azulejo: “guarde a caixa de papelão no alto da estante”.
- Há alguém aí? – pergunta um homem lá fora da casa. Depois de espiar pela janela, dá-se conta de que aquele homem é um entregador. Abre a porta, recebe a encomenda. Subitamente, sem tempo de usuais conferências de dados, o entregador já havia sumido. Com a encomenda nas mãos, percebe que a caixa de papelão já estava aberta. Fecha a porta. Dirige-se à sala, arrasta a cadeira e bate-a contra o chão mirando o alto da estante. Então, desconfiado, ele se pergunta:
- Como se escreve azulejo? – deixa a caixa em cima da cadeira, volta à cozinha, pega uma faca. Arranca o azulejo da parede e o atira no chão. Serve-se de uma xícara de café quente, enquanto o dia fica mais azul dentro da casa.
Disponível na Revista Mundo Desejante:
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