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O CÉU DO CAÇADOR TINHA LIVROS

  • Foto do escritor: Paulo Victor Albertoni Lisboa
    Paulo Victor Albertoni Lisboa
  • 4 de mar. de 2022
  • 2 min de leitura

Por PAULO VICTOR ALBERTONI LISBOA com arte de MARCIA CYMBALISTA


UM DOS MEUS AVÔS ERA PROFESSOR e, no dia do enterro, um carro girava aquela cidade do interior convocando as pessoas ao seu velório. Minha família e eu morávamos fora e, logo ao chegarmos à cidade, demos de cara com o carro anunciando em seus megafones que o professor havia morrido.

Circularam muitas pessoas pelo velório, eu mesmo fui cumprimentado por um sem-número de gente que eu nunca havia visto na minha vida. Todo mundo com os seus pêsames, alguns com as suas memórias, muita tristeza e muita saudade. Outros, da turma do riso, da fofoca.

Em todas as minhas lembranças, meu avô era professor aposentado, sempre pescador e havia sido caçador nas horas vagas. Meu irmão é mais velho do que eu e se lembra de histórias dessas viagens de pescaria e caça que o vô contava. Uma vez, ele ganhou de meu avô uma parte da cauda de um jacaré. Ao longo dos anos, o vô se tornou apenas pescador e suas histórias ficaram miúdas.

Dias depois do velório, fomos visitar a minha avó. Ela estava cabisbaixa, porém empenhada num rito de dispersão de objetos. Já havia despachado muitas das coisas da sua casa à casa dos parentes. Dentre todas as coisas, ela parecia escolher rigorosamente o que iria permanecer com ela e minha tia. Como os santos, o terço, uns óculos. E claro, as fotografias.

Quando fomos apresentados à quinquilharia valiosa, meu irmão e eu vimos o resquício das incursões anteriores, a dos filhos, os meus tios gêmeos. A minha avó comentou então que as armas já haviam sido levadas. Não se tratava de uma coleção, mas todos nós sabíamos que lá estava uma garrucha muito antiga, que os tios haviam levado consigo.

Finalmente, encontramos os livros do vô. Lá estavam os livros de professor, os livros de ciências, os livros de matemática, alguma novela. Nada nos convocava ainda, até que nos deparamos com os livros de ufologia. Ficamos espantados com a inquietação do vô com os alienígenas. Será que ele acreditava em vida fora do planeta Terra?

Eu – que tive uma miúda vida lúdica na beira do rio – sei que o tempo da espera silenciosa acostuma a gente com a companhia das estrelas. O que será que o vô viu nas estrelas? A descoberta dos livros nos levou a imaginar desbaratinos e os livros viraram uma fresta dos objetos voadores não-identificados.

A população que havia escutado o carro girando a cidade com o comunicado da morte do professor aposentado, caçador aposentado, pescador praticante, de repente não tinha ideia do cristão místico, observador e perguntador das estrelas. Será que o vô estava pronto para uma guerra intergaláctica?



Continua:

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