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Paulo Victor Albertoni Lisboa

OCEANOS, ORLAS E LITORAIS

Atualizado: 11 de abr. de 2022

Em se tratando de espécie, indivíduo e linguagem, será que o indivíduo guarda consigo uma memória, ao menos parcial, do desenvolvimento da vida na Terra, desde o abandono do modo de existência aquático ao advento da respiração e à conquista do ambiente terrestre? Essa foi uma tese muito discutida, elaborada e também recusada, por diferentes orientações da área psi. Seja por meio do caminho freudiano ou do caminho junguiano pelos quais possamos transitar a tese, há complexos e suas dissoluções, e é claro, impasses e contribuições divergentes.

Dentre as leituras dos escritos de Sándor Ferenczi, pôde-se afirmar que no âmbito da formação do indivíduo, mesmo após o nascimento, a reminiscência aquática persistirá na vida erótica e nos sonhos (resíduos da vida). Ferenczi não encontrou no relaxamento, na quietude e no repouso a mortificação, o retorno ao inorgânico. Ao contrário disso, a sua proposta vislumbra todo fim de um mundo enquanto o retorno às águas para, então, fazer um novo nascimento.

Lembro então de um outro caminho, a partir da reflexão de Peter Pál Pelbart sobre as vias do cataclisma, o indivíduo em vias de se desfazer, o lugar da angústia. Frente aos destinos da angústia, ele pondera a partir de Gilbert Simondon sobre um singular. Ele dirá: “não a angústia como disfunção do individuado”, ao invés disso, a angústia da desindividuação sem nova individuação. A angústia como puro ato de um outro-que-não-o-indivíduo. Peter Pál Pelbart, por sua vez, recorda de Emilia Marty e da sua proposição a respeito do ser da orla: entre o informe e o formatado, o ser da orla é individuante. Serão esses agenciamentos-tempestades, furacões, vulcões, choques de placas tectônicas, agenciamentos esses vividos numa sensibilidade quântica? Ali, não leio o paradigma uterino, leio a sensibilidade quântica, na vida múon em radiação cósmica (na companhia dos físicos-cosmólogos possivelmente abalados pelas novas descobertas no acelerador de partículas). Na minha compreensão, ali – e em tantos outros lugares – se faz cosmografia.

Com a ênfase de Emilia Marty, Peter Pál Pelbart se dirige ao próprio exercício de pensamento de Gilbert Simondon enquanto “aflição para nomear antes que a dissolução atinja o pensamento”, nomeação aflita e incansável ou incansável nomeação de uma consciência pré-individual destituída de síntese. Diferente ainda é a ênfase de Amnéris Maroni na individuação que inclui o trabalho inconsciente, desdobramentos inconscientes, o de repente e os encontros evocativos.

Por fim, o litoral. Para Jacques Lacan, a letra é litoral. Littera que é fronteira entre territórios, “borda do furo no saber”. Já inventando um pouco, a palavra é, por assim dizer, artifício cultural do qual se faz uso na escrita, em diferentes estratégias de escrita, inclusive a d’escritiva, além, é claro, das modalidades tecnológicas desde as escritas caligráficas às máquinas de escrever (línguas e escoamentos de alínguas). Nesse ponto, interessa a Lacan a escrita literária tal qual a de James Joyce, a literatura enquanto acomodação de restos. Quando (?), num estado de iminente desfazimento, as letras servirão de força aderente aos escoamentos – as letras como enredamento de significantes, em rede, enredo, enredamento que culmina na ressonância de significantes. Catar resíduos, recolher lixos e inventar nomes. Não apenas aquela expressão de conteúdos inconscientes, e sim, um pouco mais, uma amarração da produção inconsciente.




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