ONDE MORA O RIO
- Paulo Victor Albertoni Lisboa
- 15 de mar. de 2022
- 2 min de leitura
Uma das marcas deste período persistirá com o discurso de Ailton Krenak sobre o rio em coma. Desde o rompimento da barragem em Mariana (MG), a Vale responde judicialmente pelo crime ambiental (e as compensações ambientais), o despejo de lama tóxica sobre todo o território circundante, que abrange também a terra indígena.
Há anos, mais precisamente décadas, os direitos socioambientais vagam (e vagueiam) nos discursos nacionais da América do Sul, com a exceção do Equador e da Bolívia. Os melhores dias do desenvolvimento do Brasil neste século conviveram com a espoliação do meio ambiente, das florestas, das águas. Hoje, vivemos sob a precarização da vida em todas as esferas sociais e inclusive as ambientais. O país nunca viveu o desmatamento nessa velocidade e uma violência ambiental tão agressivas, combinadas ainda com o neoliberalismo; a intensificação da destruição de direitos dos mais amplos aos mais específicos e diferenciados. Passe-se algo como o que escreveu e canta Chico César, aos olhos daqueles que hoje governam este país “somos só carne humana pra moer e o amor não é pra nós”?
Talvez, pela primeira vez, a chamada “luta de classes na linguagem”, das formulações que herdamos do linguista Mikhail Bakhtin, eclodirá em ano eleitoral das disputas pelos direitos amplos, específicos e diferenciados, vivida como luta ecossocial na linguagem. Destaque: com diferenças ecológicas saltando no campo discursivo, o rio é significante, a floresta, a chuva, e é claro, as cinzas e as fuligens que caíram e ainda caem sobre as cidades. No âmbito nacional, ou será o discurso ecossocial ou não será. Há uma fratura no campo discursivo e tal luta na linguagem decidirá sobre os sentidos do rio liberado, da floresta de pé e do gozo da vida.
Os desafios são imensos e variados os caminhos. Há a necropolítica e a liberação do terror tão característico do século passado, mas o novo regime climático, esta nova era climática marcada por instabilidades do clima, o Antropoceno, imporá uma responsividade climática e global. Internamente, é preciso lembrar que, no modelo de desenvolvimento do rio em coma, há represamentos, desvios dos rios e extração de energia, mas a socialização da riqueza... ocorre miseravelmente para a população brasileira.
Mais ou menos assim, os desafios irão atravessar, novamente, a erradicação da fome e da pobreza, a geração de emprego e a proteção dos direitos amplos e diferenciados, incluindo os direitos do meio ambiente. O discurso da unidade nacional contra a política da destruição dos direitos neste país já se anuncia diante do seu impasse: o rio parado e o povo não come, o rio em coma e o povo não goza a vida? O inverso. Liberar o rio, desintoxicar o lamaçal da terra e da linguagem, e é claro, que o povo coma.

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