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UM MITO INDIVIDUAL NO ANTROPOCENO

  • Foto do escritor: Paulo Victor Albertoni Lisboa
    Paulo Victor Albertoni Lisboa
  • 26 de abr. de 2022
  • 3 min de leitura

O nome Antropoceno chegou a nós há poucos anos. Foi num encontro de estratigrafia, em 2012, que geólogos e outros especialistas nominaram esta era geológica que tem como sua marca as instabilidades climáticas, desencadeadas/aceleradas pelas atividades antrópicas. Anos depois, outro nome foi difundido e atravessou também o mundo jurídico internacional, o ecocídio.

Desde então, se antes eram temas tão dissociados na vida política e institucional do século passado, os direitos ambientais e os direitos humanos ganharam, no século XXI, um campo político multiespécie, muito incipiente, é verdade, porém, bastante inovador a nível internacional. Esse campo jurídico e legislativo se desenvolveu também por outros caminhos. Na América do Sul, Constituições de países como Bolívia e Equador foram protagonistas na inserção de direitos da natureza nas suas Cartas Magnas, reconhecendo, além dos direitos da natureza, também a importância “socioambiental” da ocupação indígena de suas terras nas quais estão presentes um grande número de áreas florestais preservadas e importante biodiversidade.

A urgência climática demandou colaboração internacional, incidindo sobre a política nacional dos países signatários dos compromissos multilaterais. Dentre as muitas preocupações, há uma agenda ecossocial de diminuição do impacto das atividades antrópicas sobre os ecossistemas e a biodiversidade e de proteção das populações que tradicionalmente ocupam, em equilíbrio com outras formas de vida, biomas estratégicos. Assim, as “novas éticas” da sustentabilidade impactaram principalmente a conscientização e a elaboração de uma legislação competente para salvaguardar os direitos de outras formas de vida e de ecossistemas, agindo no combate à degradação ambiental.

Foi a equiparação da morte dos ecossistemas aos crimes contra a humanidade o que fez do crime contra os ecossistemas uma mola propulsora de uma nova política interespécie e, ao mesmo tempo, sociológica e internacional. Como se sabe, a emergência da lei e a organização da moralidade compõem o pensamento das mais diversas áreas da filosofia, da antropologia, da literatura, para dizer apenas algumas delas. Usualmente, a emergência da lei e da moralidade é pensada enquanto resposta a um acontecimento fundador, a um episódio de violência, um evento (histórico ou imaginado) que instaura a necessidade de legislar a vida humana. Dentre os exemplos, está o parricídio na psicanálise.

Lembro, então, da psicanalista Radmila Zygouris. A autora sugere que, diante do agravamento da crise climática, a socialização das crianças sofreu uma guinada em direção à preocupação ecológica dos adultos (ao menos, os adultos contemporâneos), aqueles adultos que se preocupam com as condições ambientais e planetárias do presente e visualizam o estresse e a exaustão dos ecossistemas num futuro próximo. Surge, então, para a autora, um novo modelo paradigmático, a criança-mundo. Há um caminho profícuo de diálogo entre as noções de Antropoceno, ecocídio e criança-mundo para a área psi e a escuta do inconsciente, a elaboração de um mito individual no Antropoceno.

Nesse contexto, a formação da pessoa e do sujeito assume novas determinações/indeterminações no Antropoceno; a vida afetiva e emocional sofre, pelo menos, uma nova codificação (ecológica) dos dramas da existência humana. Mais precisamente, uma lei e um interdito (uma transformação da ética e da moralidade na modernidade?) caem sobre a espécie humana frente a outras formas de vida que povoam florestas e cidades, biomas e seus ecossistemas. Quais serão as alterações sofridas por noções tais como Eu e identificação, narcisismo e alteridade, responsabilidade e culpa, desejo e mortificação?

Se pudermos nos reportar àquela definição de um epos, epopeia ou gesta que reúne determinadas percepções, ideias e nos dá acesso à imaginação atinente a um modo de ser de uma época, não é demais pensar/ler/escutar que os conflitos ontológicos da contemporaneidade possam ser exprimidos a luz do ecocídio – um epos no Antropoceno. Isto não excluirá (e já sabemos que não exclui) os dramas clássicos que são atualizados, por exemplo, de mãe, pai, filho ou filha e Espírito Santo no Antropoceno e aqueles dramas que extrapolam a família e os dualismos e binarismos de sexo/gênero, e que também não poderão ser lidos na negação da nova era geológica denominada Antropoceno e do crime do ecocídio, desde que seja próprio da produção desejante ser contemporânea a esta Idade da Terra.




 
 
 

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