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Paulo Victor Albertoni Lisboa

XAMÃS VIGIADOS POR DRONES

Por PAULO VICTOR ALBERTONI LISBOA com arte de EDU VERENGUEL


DURANTE A MINHA ESTADIA NAQUELE PERÍODO DE CONSTRUÇÃO da casa de reza, eu havia sido convidado a um encontro de xamãs em uma Terra Indígena que eu nunca antes tinha visitado. Enquanto descansávamos das atividades de construção, o pessoal da zona sul de São Paulo, capital, mencionou o encontro de xamãs.

Não é raro que, por força dos caciques e de outras lideranças, as aldeias se reúnam para troca de saberes. Naquela ocasião, os xamãs do litoral convidaram os xamãs da capital porque o aumento do uso do álcool entre os jovens requeria uma “palavra forte” e uma sabedoria singular, com a qual contavam aqueles homens mais velhos. Como era esperado que, em algum momento, ao redor da fogueira, ocorresse uma contação de causos, de histórias e fossem proferidos discursos proféticos, temas de minha pesquisa, o cacique apontou para mim e disse que o evento iria me interessar.

Meses depois daquela tarde de construção da casa, eu viajei em direção ao litoral para encontrá-los naquela outra Terra Indígena. Eles haviam passado o número do telefone celular do cacique local. Uma rápida pesquisa foi suficiente para saber de conflitos em áreas de sobreposição de Unidades de Conservação e Terra Indígena. Foi o suficiente para fazer a preparação de toda a documentação disponível e contar com uma ou outra abordagem da polícia ambiental.

A viagem de ônibus e a longa caminhada a pé me levaram até uma guarita a poucos quilômetros da aldeia. O parque estava fechado à visitação, disse um dos dois guardas. Retruquei, eu não ia ao parque, faria uma visita à aldeia guarani a convite das pessoas que ali residiam. Insistiram e disseram que não era uma Terra Indígena. Lembrei então que a Terra Indígena não havia sido homologada, mas estava identificada e aguardava estudos, o que garantia direitos aos ocupantes. Depois de algumas palavras ao rádio, os guardas pediram a documentação pessoal, e da pesquisa, da universidade e qualquer papel impresso que tivesse carimbo da Fundação Nacional do Índio ou do Ministério da Justiça. Quando acenaram, mais uma vez, a negativa, liguei para o cacique e senti apreensão dos guardas. Aquele tipo de situação não era comum para mim e vê-los apreensivos era esquisito.

Pedi a documentação de volta e os rádios tocaram. O diretor do parque queria conversar comigo. Os guardas disseram qual era o caminho pela estrada. A vista da aldeia para o mar era linda. Contornei a estrada de terra ao redor de um morro e encontrei o cacique local munido de um facão. Quando ele viu que eu estava sozinho, guardou o facão e logo começou a rir e fazer piada sobre os moradores guarani da capital que estavam atrasados para o encontro.

Ficou irritado ao saber que era preciso ir falar com o diretor do parque. Chegamos à sala do diretor que logo se arrependeu de ter solicitado aos guardas do parque a minha presença, sem enfatizar que eu estivesse na sua sala sem a companhia do cacique. O diretor começou a dizer que eu não podia estar ali, mas o cacique afirmava com firmeza o direito dos ocupantes indígenas contarem com o trabalho de antropólogos. A discussão fervilhou quase a ponto dos dois se agredirem, então eu decidi acalmar o cacique e disse ao diretor que ia embora. O cacique olhou para mim desacreditado, porque eu tinha desistido de estar ali, agradeci ao diretor e disse que era uma pena ter sido impedido de realizar pesquisa antropológica no local. Foi o início de uma longa lamentação do diretor sobre as pressões que sofria dos superiores e dos moradores da aldeia.

Enquanto isso, chegaram os moradores das aldeias da capital. O diretor perguntou ao cacique quantos dias duraria o evento. Dois. A recomendação foi que não acampasse na praia e não ficasse de bobeira pelo parque.

Andamos em direção à casa de reza da aldeia, o cacique contava que dia a dia eram vigiados e impedidos de coletar qualquer tipo de recurso da mata próxima. Perguntei o que era aquele vulto acima das árvores. Um drone nos acompanhava. Insultamos a aeronave e o piloto remoto. Rimos muito enquanto eu descrevia a ele as primeiras horas da minha chegada, o cacique com o facão e o diretor piloto de drone.

Foram dois dias de cantos, danças e belas palavras na casa de reza na aldeia do litoral. Ao final do segundo dia, o cacique e eu espalhamos as nossas versões daqueles acontecimentos. Homens e mulheres bebiam o fermentado de milho, os xamãs riam e contavam piadas sobre “índios e brancos mentirosos”. Eram causos e mais causos. Antes de irem embora, falavam de putaria e divertiam a todos.


Acesso em:

https://www.facebook.com/photo/?fbid=474256627495936&set=a.220613786193556


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